*Por Sandra Quintela
Desde 2005 a região que circunda a Baía de Sepetiba vem sofrendo um enorme impacto socioambiental produzido pela instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico, a maior siderúrgica da América Latina. As primeiras vítimas foram pescadores artesanais. A partir de 2010, quando a siderúrgica foi inaugurada em 18 de junho, outros impactados entraram em cena: os moradores e moradoras do bairro de Santa Cruz, em particular, moradores da reta João XXIII.
A obra chegou a ser embargada pelo IBAMA em dezembro de 2007 por desmatar manguezais sem autorização e pelo Ministério Público do Trabalho por não oferecer Equipamentos de Proteção Individual aos trabalhadores no canteiro de obras. Além disso, a empresa foi denunciada por muitas outras irregularidades como: ilegalidades e falta de transparência no processo de licenciamento ambiental; manipulação da participação popular durante as audiências públicas; cooptação de falsas lideranças comunitárias e de pescadores; violação dos direitos humanos; destruição ambiental na Baía de Sepetiba; e produção de poluição em doses elevadas que podem comprometer a saúde dos moradores do entorno da empresa. Segundo o relatório do Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público Federal (GATE), a empresa, desde o início, conduziu as obras sem o menor respeito ao que teria sido definido e aprovado no seu EIA-RIMA. Hoje, em setembro de 2012, a empresa é objeto de duas ações penais do Ministério Público do Rio de Janeiro que a acusam de cometer, no mínimo, quatro crimes ambientais.
Não bastassem todos esses problemas, a crise econômica que tem se aprofundado desde 2008 fez com a TKCSA fosse acumulando prejuízos. De um lado, a queda no consumo de aço no mercado mundial, de outro, o aumento dos preços das matérias primas como minério de ferro. Além disso, a China passou a investir também em siderúrgicas próprias para consumo interno. Destacamos que a produção da TKCSA é toda destinada ao mercado externo.
A revista Exame destaca sete erros cometidos pela empresa:
i. A construção da siderúrgica foi dividida entre várias empresas para cortar custos. O gasto subiu 70% e as obras atrasaram 20 meses;
ii. a TKCSA foi construída em uma área de mangue. Para fazer as fundações foi preciso alugar um quarto dos bate-estacas disponíveis no país;
iii. uma coqueria foi contratada na China para ser construída por 4000 chineses. O governo brasileiro autorizou a entrada de apenas 600;
iv. os responsáveis pelo projeto desmataram mais que o triplo permitido de manguezal. A obra foi embargada pelo Ministério Público;
v. a Thyssen Krupp vinculou a produção da TKCSA à demanda de suas laminadoras nos EUA e na Europa, onde a procura despencou;
vi. nos cálculos de retorno do investimento apostaram numa cotação de dólar de, em média, 2,5- reais – o que não aconteceu;
vii. as administradoras da TKCSA despejaram ferro gusa em poços ao ar livre não autorizados pelo INEA e que gerou poluição que cobriu a região com poeira prateada.
Problemas jurídicos
Atualmente a empresa enfrenta uma série de processos jurídicos. Existem duas ações penais em curso (Ministério Público do Rio de Janeiro) por crimes ambientais contra a empresa, exigindo a condenação de dois dos seus diretores; cerca de nove ações de compensação de associações de pescadores; e mais de 200 ações civis movidas pela Defensoria Pública em nome de famílias vizinhas à TKCSA. Até o momento a empresa não apresentou sinais de diálogo ou de intenção de compensar essas famílias pelos danos causados.
Após mais de um ano tentando se adequar à legislação ambiental, sem conseguir, ao invés de revogarem a licença de instalação da empresa, as autoridades ambientais lhe concederam mais dois anos para se adequar à lei brasileira. Em abril de 2012, a TKCSA assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a Secretaria Estadual de Ambiente e o Instituto Nacional do Ambiente no qual se comprometeu a cumprir, num prazo máximo de dois anos, 130 pontos como condição para a obtenção da Licença de Operação. O TAC, além de alongar o prazo para a licença de operação por mais dois anos, determinou que algumas atividades de fiscalização da TKCSA fossem gestadas pela própria empresa, bem como não estabeleceu efetivamente quem estaria a cargo da fiscalização e monitoramento do mesmo.
Financiada por recursos públicos
Desde a instalação, a TKCSA recebeu dois vultosos empréstimos do BNDES. O primeiro foi em 2007 (R$1,48bi) e o segundo em 2010 (R$ 900 milhões) que viabilizou sua inauguração que já vinha sendo adiada desde final de 2008. Perfazem um total de R$ 2,36 bilhões. Somaram-se a esse montante as generosas isenções fiscais que, somente na esfera do estado, ultrapassaram R$500 milhões. Até aqui já seriam cerca de R$3 bi de recursos públicos ali investidos.
É justo a empresa receber tantos recursos públicos enquanto pescadores e moradores esperam sem perspectivas reparação pelos danos sofridos até então decorrentes das atividades da usina siderúrgica? Mais de 8 mil famílias de pescadores passam necessidades, pois a pesca vem se extinguindo na baía. Moradores sofrem com problemas de saúde e comprometimento de sua qualidade de vida pela contaminação do ar e da água a que estão submetidos. Até quando isso se repetirá?
Alternativas: sonhar é sempre possível!
A Thyssen Krupp, diante de todos esses problemas, discute atualmente a venda da TKCSA. Como vender uma empresa que até hoje não possui licença de operação? Qual a garantia de que os próximos donos respeitarão a legislação brasileira? O BNDES, um dos principais financiadores do projeto, tem que dar o aval para a venda. Como principais interessados no futuro da região e da TKCSA, os trabalhadores, moradores, e pescadores da Baía de Sepetiba precisam ser ouvidos e incluídos nas discussões sobre o futuro da TKCSA.
Algumas organizações atualmente discutem o futuro da TKCSA. Não se debate a venda da TKCSA, mas a revogação da licença de instalação (como atesta a legislação brasileira na medida em que as condicionalidades até hoje não foram cumpridas pela empresa) e a substituição por outra forma de utilização daquele espaço. Defendem o desenvolvimento de um plano popular, ambientalmente sustentável, que pense o desenvolvimento da baía de Sepetiba, com a garantia de preservação dos empregos locais e com a melhoria da qualidade de vida das pessoas que moram lá. Os recursos públicos, no lugar de serem empregados em siderúrgicas voltadas para o mercado externo, poderiam ser muito melhor aplicados, por exemplo, num Campus Universitário “Eco Tecnológico” voltado para pensar o desenvolvimento centrado no bem estar e na qualidade de vida para a população, não só de Santa Cruz como de toda a Zona Oeste do Rio de janeiro.
E você, o que acha?
*Sandra Quintela e socioeconomista do PACS.
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