“A gente chega lá com propostas a serem dialogadas com toda a consciência de que a soberania nas decisões é dos tunisianos, é principalmente do povo da Tunísia, do povo trabalhador”, descreve Marcos Arruda que junto a outros 14 assessores internacionais apontam alternativas para a construção de um país soberano.

Plenária do Fórum Aberto “Tunísia Sem Pobreza”, 21.11.12

Passados quase dois anos da Primavera Árabe, movimento revolucionário surgido no Oriente Médio e que colocou abaixo regimes ditatoriais graças à mobilização social, a Tunísia, percussora dessa revolução, passa por um processo de redefinição do seu modelo de desenvolvimento. Com uma gestão compartilhada entre três partidos, em um formato denominado de Tróica, a Tunísia libertou-se das amarras da ditadura de Ben Ali (1987-2011) e avança para a construção de uma outra sociedade.

Com a visão de consolidar um outro modelo para o país, o governo tunisiano abriu o diálogo para a colaboração internacional. Em junho deste ano durante a Rio + 20, Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, após longas conversas, um convênio foi firmado entre o governo e consultores internacionais, em mediação feita pelo PACS (Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul). Composto atualmente por quinze profissionais e ativistas de diversas áreas ligadas ao desenvolvimento e planejamento de uma economia solidária e social, o convênio visa estabelecer uma assessoria ao governo tunisiano, propondo alternativas para o desenvolvimento local com base nas necessidades da população.

“As conversas ocorreram junto ao assessor direto do presidente daquele país, além do Ministro do Planejamento e Desenvolvimento Regional. A partir dessas conversas, foi colocada a preocupação do governo com a tendência de que fosse adotado no país um modelo neoliberal, após a revolução popular. As propostas são tiradas do conhecimento de profissionais e ativistas que acreditam em um caminho novo para a economia dos países e do mundo, mas procurando estudar e entender a realidade tunisiana para fazer propostas que combinem com o que a Tunísia está vivendo hoje”, explicou o economista e educador do PACS, Marcos Arruda. Em um pouco mais de cinco meses de diálogo, o convênio começa a frutificar.

Fórum Aberto Tunísia Sem Pobreza e os caminhos alternativos para um projeto popular

Em novembro deste ano, o primeiro marco da parceria. O governo realizou o Fórum Aberto Tunísia Sem Pobreza, com a participação de representantes do governo, da sociedade civil, com destaque para a forte representação de movimentos de mulheres. “O encontro surgiu a princípio com a ideia de uma conferência, mas o governo sentiu a necessidade de fazer um grande encontro dialogal entre a sociedade e os representantes do governo, que através de uma dinâmica de grupos com temas abrangentes e entrecruzados, foram elaboradas propostas fortalecendo o diálogo do povo tunisiano com o Estado.”

Ainda segundo Marcos, o encontro tornou-se um indicativo, com o governo se comprometendo em realizar fóruns semelhantes em outras regiões do país para que a população seja ouvida. “O que foi visível nessa experiência foi a rejeição unânime de continuar no velho caminho, que é o caminho do livre mercado, das grandes empresas, de produzir primeiramente para a exportação. Mas é preciso de tempo para que as propostas sedimentem entre a população e o governo local.”

O caminho é difícil, mas segundo a economista é necessário coragem para enfrentar uma realidade local que prevalece dentro dos moldes da globalização, na financeirização e na busca das grandes corporações em ter acesso aos recursos para continuar acumulando capital. “A aposta é que o fórum siga com o consenso de que a construção de uma democracia nova na Tunísia tem que partir das regiões e das comunidades locais. Esse é o nosso trunfo, porque para nós um outro desenvolvimento tem que partir de baixo para cima e não ser uma imposição e uma instrumentação de cima para baixo. Há um caminho que é construir uma democracia política em que o povo é o sujeito e o governo é um apoio fortalecedor do povo, mas não é ele o sujeito principal.”

O PACS na Tunísia

Com 26 anos atuando na esfera do desenvolvimento socioeconômico solidário, o PACS coloca-se mais uma vez pronto para o desafio de contribuir para a transformação social e dos agentes locais, com a consciência de que há um caminho longo de empoderamento da sociedade para ela virar o sujeito principal do seu próprio desenvolvimento.

“Temos um papel humilde. Temos a consciência de que nosso papel é um mero papel de apoio na busca de novos caminhos, nossa proposta não é dar a voz final de nada. Não é o nosso papel. O papel de construir uma nova Tunísia é dos tunisianos. Nós somos meros consultores, dando apoio, diferente dos consultores americanos ou da ONU, que chegam com receitas e querem que seja feito aquilo. A gente chega lá com propostas a serem dialogadas com toda a consciência de que a soberania nas decisões é dos tunisianos, é principalmente do povo da Tunísia, do povo trabalhador. Esse é o caminho que a gente tem levado e nós aceitamos o desafio porque a Tunísia é o país que está liderando a Revolução Árabe, com o mínimo de derramamento de sangue e o máximo de participação cidadã. E nós queremos aproveitar o embalo dessa participação para ver se eles assumem um projeto de empoderamento da sociedade para a construção de uma democracia econômica como base para uma democracia política. O sinal que nos deu motivação foi eles dizerem: nós queremos uma Tunísia que erradique a pobreza. E para erradicar a pobreza é preciso que os pobres saiam da pobreza e ao invés de entrarem para a velha economia das grandes e médias empresas privadas que vão em busca de lucro e de acumulação de riqueza material, que essa gente saia da pobreza e entre para uma economia social, solidária. E isso é muito promissor. E é por isso que a gente está lá para ajudar a criar uma economia solidária a nível nacional, começando na base da sociedade”, explicou Arruda.