Criado no último Encontro Estadual, Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro tem sua primeira reunião
Lutar pela agricultura familiar e camponesa de base agroecológica, num estado marcado pelos mandos e desmandos de uma política que prioriza os grandes empreendimentos – do campo à cidade –, o agronegócio e os grandes eventos esportivos, não é tarefa fácil. Lutar e garantir a visibilidade e autonomia das mulheres no campo, também não. Em que pese as conquistas da luta das mulheres nas últimas décadas, a sociedade brasileira ainda é eminentemente machista e patriarcal. O resultado disso: um contexto em que milhões de mulheres, jovens e meninas são vítimas de violências e violações de direitos, sem liberdade para decidir sobre suas vidas e corpos.
Refletir sobre esse contexto foi um dos objetivos da primeira reunião do Grupo de Trabalho (GT) de Mulheres da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), que aconteceu nos dias 18 e 19 de março, em Rio das Ostras. No fim de 2013, a agenda de lutas do III Encontro Estadual já havia indicado a necessidade de sistematizar e visibilizar as experiências agroecológicas protagonizadas pelas mulheres, bem como fortalecer espaços de auto-organização para a promoção de autonomia política e econômica. O grupo agrega mulheres rurais, agricultoras, técnicas, assentadas e outras representantes.
“Nós sofremos na rua, em casa, no trabalho, e somos nós que trabalhamos em dobro. Muitas vezes, quando a mulher vai denunciar situações de violência, o policial não dá nem crédito”, disse Rita Maria Barbosa, agricultura da Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. “A luta dasmulheres precisa e ainda vai libertar muitas de nós”, completou. Já Margarida, agricultora de Itapinoã (Araruama), lembrou que a violência não é só física, mas se dá a partir de outras formas de opressão. “Tem coisas que o homem fala que nos agride muito. Nossa organização é importante, precisamos de espaços como este para falar dessas questões”, ressaltou a agricultora de Araruama.
A busca pelo reconhecimento do trabalho das mulheres na agroecologia não é recente. O GT nacional já existe há 10 anos e tem contribuído para superar a desigualdade de gênero no campo. As mulheres são grandes entusiastas da produção sem veneno, são cuidadoras dos quintais, têm papel importante como guardiãs de sementes e são detentoras dos conhecimento sobre as plantas medicinais. Apesar disso, do total de 4.367.902 estabelecimentos registrados no Censo Agropecuário de 2006, apenas pouco mais de 600 mil (13,7%) são dirigidos por mulheres. Situação mais grave ocorre no estado do Rio, onde o percentual é de apenas 6,7%.
Segundo Emilia Jomalinis, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul, organização que faz parte da articulação, é indispensável que a crítica ao modelo atual e a luta por um outro modelo de desenvolvimento também esteja ancorada no reconhecimento das mulheres como sujeito político, na importância da construção de espaços para a auto-organização das mulheres e do questionamento da divisão sexual do trabalho, que desvaloriza e separa o trabalho das mulheres em relação ao dos homens. “A crítica feminista é também uma crítica contra hegemônica: ao capitalismo, ao machismo e ao patriarcado”, disse.
A primeira reunião do GT Mulheres da AARJ deixou claro que a agroecologia não deve ser entendida apenas como um forma de produzir e uma técnica agrícola, mas uma proposta de ruptura aos modelos agrícolas e agrários hegemônicos, baseados na produção de monocultivos e na exclusão social. De tecnologia alternativa, torna-se luta política. “O que buscamos é criar novo significado para o sentido do trabalho e a produção do viver. Queremos mostrar que a história da agroecologia também é escrita pelas mulheresfluminenses”, finalizou Emília.
Por Renato Cosentino e Emilia Jomalinis (GT Comunicação AARJ)*
Leia o caderno complementar com todos os artigos da Caravana Agroecológica e Cultural do Rio de Janeiro, onde o artigo acima foi publicado.
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