DESMATAMENTO CAMORIM

A preparação para a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016, junto com o boom imobiliário, vêm multiplicando conflitos pela terra por todo o Estado do Rio. De um lado, agricultores e povos tradicionais lutam para permanecer em locais que ocupam por gerações. De outro, empresas atropelam dinâmicas regionais com aval do poder público. Isso ocorre em zonas rurais de cidades como a histórica Paraty, mas também na capital, no olho do furacão dos megaeventos.

Em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, o Alto Camorim é exemplo disso. No último domingo (23), os moradores fizeram uma atividade de resistência cultural para denunciar a situação. Há dez anos eles reivindicam junto ao Incra o reconhecimento do local como território remanescente de quilombo.

“Estamos gritando que o Alto Camorim tem a sua história”, disse Maraci Soares, uma das lideranças do movimento.

O dia começou cedo com um café da manhã agroecológico oferecido pela Associação de Agricultores de Vargem Grande. Antes da tradicional feijoada, o encontro foi embalado por rodas de conversa sobre a história de Jacarepaguá. O objetivo era reafirmar a luta pela regularização fundiária, pelo direito de cultivar a terra e pela construção do Centro de Desenvolvimento Cultural Quilombola do Camorim.

A Baixada de Jacarepaguá é hoje o centro da reestruturação urbana pela qual o Rio de Janeiro passa para a preparação das Olimpíadas. Muitas comunidades estão ameaçadas pelo avanço dos empreendimentos imobiliários. O Alto Camorim é um local histórico, onde se localiza a Igreja São Gonçalo de Amarante, de 1625, no acesso ao Parque Estadual da Pedra Branca, uma das maiores florestas urbanas do mundo.

“Outros países que realizaram grandes eventos perderam suas identidades? É um projeto de quem para quem?”, questionou Bernadete Montesano, da Rede Carioca de Agricultura Urbana. “Essas áreas onde estão os agricultores são de grande cobiça”, ressaltou.

No início do ano, uma grande área ao lado da igreja foi devastada pela Living Construtora, marca da RJZ Cyrela, sem respeitar as árvores centenárias do Maciço da Pedra Branca. Uma denúncia foi feita à Ouvidoria do Ministério Público. Em nota, a construtora informou que “possui as licenças de demolição e remoção de árvores” e que medidas compensatórias estão sendo cumpridas.

Os conflitos entre comunidades históricas e novos empreendimentos imobiliários se multiplicam em todo o Estado do Rio. Um exemplo são povos de Paraty. A única exceção é o Quilombo do Campinho que, em vitória histórica, conseguiu a titulação das terras em 1999. Há décadas, caiçaras e comunidades antigas na região vivem sob ameaça de remoção. Ali o conflito com as comunidades envolve vários atores, entre eles o Estado, representado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e o Instituto Chico Mendes, e interesses privados de imobiliárias, como explicou Monalisa Melo, secretária da Associação de Moradores de Pedras Azuis, que reúne sete bairros da cidade:

“O valor dos terrenos cresce e a especulação avança. O governo anuncia que fará novas unidades de conservação, que podem impedir a permanência dos moradores e não dialoga com as comunidades. Sem saber o que vai acontecer, vivemos com medo e sob ameaça de remoção.”

Frente ao conflito, os moradores de Paraty estão reunidos em um Fórum de Comunidades Tradicionais. Este mês, eles comemoram uma vitória. Um processo criminal aberto injustamente pelo ICMBio contra o agricultor José Ferreira, conhecido internacionalmente por seu trabalho com agrofloresta, foi suspenso. A situação, porém, não é permanente. As investidas contra os agricultores de Paraty, assim como no Alto Camorim, são frequentes e graves.

Por: Camila Nóbrega e Renato Consentino 

Brasil de Fato – Rio de Janeiro/ número 44.

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