A campanha pela retirada das tropas que invadiram o Haiti após o golpe de estado contra o presidente Jean Bertrand Aristide em 2004 teve um lançamento impactante na noite desta quarta-feira, 28 de Maio, no Rio de Janeiro, com a realização do debate “O Haiti é aqui: 10 anos de ocupação e controle militar da vida”.
O debate foi convocado pelo Comitê Popular Copa e Olimpíadas, CSP-Conlutas, rede Jubileu Sul, Justiça Global, PACS, Plenária dos Movimentos Sociais e Quilombo Raça e Classe e encheu o auditório do Sindipetro-RJ. A mesa redonda foi composta pelo jornalista e sociólogo haitiano Frank Seguy, pelo agente do DEGASE e morador do complexo do Alemão MC Calanzans, pela líder comunitária do Borel Mônica Francisco e pela comunicadora popular do complexo da Maré, Renata Souza. A moderação ficou a cargo de Sandra Quintela, do PACS/Jubileu Sul.
As falas foram muito fortes e repletas de pontos em comum. Frank Seguy explicou os verdadeiros interesses por trás da ocupação militar da ilha caribenha que, segundo ele, é parte de um projeto de re-colonização do Haiti. Os empresários norte-americanos, canadenses e franceses exploram a mão-de-obra haitiana (mais barata que a chinesa) para produção têxtil, pagando em média R$ 10 por dia nas zonas francas implementadas no país após o golpe de estado. As conseqüências deste projeto imperialista são duas: a migração em massa dos haitianos que não suportam essa situação ou a revolta dos que ficam. Para conter essa insatisfação popular, as tropas de “estabilização” comandadas pelo exército do Brasil fazem o trabalho de brutal repressão, inclusive de greves e manifestações pacíficas. Frank concluiu que os haitianos não mais se enganam com os militares e que somente a elite haitiana, em conluio com empresas imperialistas, defendem sua permanência por lá.
Mônica Francisco fez um paralelo desta situação com aquela encontrada no morro do Borel, na Tijuca. Segundo ela, a chegada da UPP e a militarização que acarreta estão impactando negativamente a vida dos moradores, principalmente as mulheres. Ela lembrou que os policiais intimidam, perseguem e humilham os moradores constantemente, com especial truculência contra os jovens, tratados como bandidos. Ela disse que as mulheres tomam a dianteira na resistência contra essas violações, defendendo seus filhos, maridos e irmãos. Esta situação tem gerado uma pressão sobre as moradoras da comunidade, ao ponto de até mesmo senhoras de idade serem revistadas com mãos na parede quando saem para comprar pão pela manhã. Ela concluiu que, assim como no Haiti, as tropas não estão lá para ajudar a população, mas para reprimi-la. No caso da UPP, disse Mônica, fica claro que o alvo não era o tráfico de drogas, que continua presente no local, mesmo que agora de modo mais discreto e empregando meninas em vez de meninos. O alvo é a própria população trabalhadora que sente-se a cada dia menos segura pra reclamar seus direitos.
Este cenário também foi ouvido na fala de Renata Souza. Ela afirmou que a mídia serve para “pacificar” as mentes de quem não mora na favela e é levado a crer que a invasão militar tem o apoio da população local, o que não é verdade. Ela lembrou que muitos assassinatos estão sendo cometidos pela polícia, que tenta justificar as mortes como sendo de traficantes. Renata trouxe o caso de Felipe, 16 anos, morto com um tiro nas costas ao sair de casa. O jornal O Globo estampou sua foto na capa afirmando que ele era traficante. Uma mobilização da família e amigos pressionou o jornal até que fizessem outra reportagem sobre o rapaz, mostrando que ele não era ligado ao tráfico: a nova reportagem saiu mas, segundo Renata, falava de um “novo” Felipe, não havendo errata ou retratação sobre a matéria anterior que o criminalizava.
MC Calazans trouxe um relato semelhante e emocionou a platéia ao homenagear seu amigo Caio, moto-taxista do Complexo do Alemão, que foi assassinado esta semana pela polícia, também com um tiro nas costas, durante manifestação contra a UPP. Após gritos de “Caio, presente”, MC Calazans continuou sua fala afirmando que esta geração está trocando a tradicional “consciência de morte” por uma “consciência de luta”, que não aceita mais como natural que a vida de pobres, negros e favelados seja tratada como descartável. “Antes na favela a gente só se organizava para pagar o enterro de alguém assassinado pela polícia. Agora, além disso, o pessoal se revolta, queima ônibus, fecha avenidas, faz protestos”. Ele concluiu que assim como no Haiti, os projetos “sociais” de ONGs, empresas, igrejas e governos não fazem mais do que um trabalho de fachada, algo que não muda a situação concreta vivida pelos moradores. Pior: tais projetos acabam servindo de desculpa para um aumento da violência do Estado contra aquelas populações, pois cria-se uma situação na qual aqueles que não se agarram às “oportunidades” oferecidas pelas ONGs acabam sendo mais estigmatizados como juventude perdida, bandidos etc.
Ao fim, a platéia fez intervenções e perguntas no sentido de prestar solidariedade às resistências e refletir sobre estratégias de enfrentamento da violência decorrente da militarização e mercantilização da vida.
A Campanha pela retirada das tropas do Haiti acontece anualmente e neste ano a mobilização no Rio de Janeiro, ao menos, parece ser maior. No dia 15 de Outubro o Conselho de Segurança da ONU deverá prorrogar mais uma vez a permanência das forças invasoras da ilha caribenha. Até lá, mais eventos, palestras, debates e manifestações estão previstas em todo o mundo, em especial na América Latina. Um manifesto exigindo a retirada dos militares do Haiti foi circulado para adesões.
O manifesto encontra-se abaixo e pode ser assinado por organizações e indivíduos.
(Fotos: Rodrigo Barrenechea/ facebook.com/AgenciaAnota)
***
CHAMADO PARA NOS MOBILIZAR: Retirada imediata das tropas e da Minustah no Haiti
A ocupação militar por parte da Minustah está para completar 10 anos, recordamos o contexto de um golpe de Estado que antecedeu a chegada das tropas, sob a desculpa de salvaguardar a população civil.
Dez anos de ocupação, de lutas e resistências por parte de um povo que vive a cada dia as consequências catastróficas das ações perpetradas pela Minustah.
Nesse sentido, estamos convidando e pedindo que possamos nos somar à campanha internacional Retirada imediata das tropas e da Minustah;
O primeiro que podemos fazer é aderir a assinatura de nossa organização, rede ou movimento ao chamamento, que se encontra no texto abaixo. Proximamente compartilharemos as propostas de ações que serão realizadas na campanha.
CHAMADO PARA NOS MOBILIZAR
1 de junho – 15 de outubro 2014
A MINUSTAH não é uma missão humanitária. É uma ocupação militar instalada no Haiti desde 1 de junho de 2004 por decisão do Conselho de Segurança, depois que os EUA consumaram o primeiro golpe de estado deste novo milênio contra um governos em nossa América, escolhido constitucionalmente.
Sob o pretexto de estabilizar o país, o verdadeiro objetivo da Minustah é evitar que o povo haitiano exerça sua soberania e autodeterminação. Serve, além disso, para ensaiar novas formas de intervenção imperialista e de controle social, como as que depois se aplicaram com os golpes de estado contra Honduras e Paraguai, por exemplo, ou nas favelas e contra as manifestações no Brasil.
O resultado no Haiti? Depois de 10 anos de ocupação, o país se encontra em uma situação de grave crise política e institucional, com uma clara regressão democrática, repressão violenta e sistemática das manifestações populares e ataques a dirigentes da oposição. A MINUSTAH também sustenta uma manipulação grosseira dos processos eleitorais e institucionais e a entrada livre de capitais transnacionais para controlar espaços estratégicos da economia, incluindo a megamineração, o turismo de luxo, empresas que exportam produtos sem pagar impostos e a agroindústria exportadora.
Os EUA, França e Canadá dirigem a inteligência e planejamento estratégico da MINUSTAH. A única novidade – e a mais inaceitável – é que deixaram para o Brasil o comando das tropas que provém, a maior parte, de nossa mesma América: Argentina, Uruguai, Brasil, Chile, Peru, Guatemala, Bolívia, Equador, Paraguai, El Salvador e Honduras.
10 anos de ocupação!Basta!
Hoje está mais que evidente que a ocupação político-militar do Haiti não é nem pode ser a via para gerar estabilidade nem uma institucionalidade baseada nos direitos e no bem viver do povo haitiano. O senado do Haiti pediu duas vezes a retirada das tropas. Pesquisas recentes indicam que 89% da população rejeita a presença da MINUSTAH e a onda de mobilizações massivas, que seguem crescendo desde outubro de 2013, pedindo a renúncia do presidente, reclama sempre e com força pelo fim da ocupação.
As organizações populares haitianas denunciam a ação da MINUSTAH ao reprimir protestos sociais. Denunciam que as tropas têm violado mulheres e jovens, usurpado escolas e outros recursos que a população necessita, contaminado a água e introduzindo a epidemia de cólera, que até fim de abril havia matado a 8.556 pessoas e outras 702.000 ficaram enfermas. Os recursos disponíveis para a luta contra o cólera permitirão atender somente a 8% das 45.000 pessoas que serão atingidas pela doença este ano, segundo projeções.
A MINUSTAH opera, além disso, com uma impunidade sem igual, assegurada pelas próprias Nações Unidas e a intervenção de sempre, dirigida pelo governo dos EUA para controlar os tão mencionados processos eleitorais. O representante da OEA no Haiti denunciou publicamente a manipulação atroz das últimas eleições à fim de assegurar para Washington um presidente dócil a seus interesses e que encarregou de reabilitar as forças políticas e paramilitares próximas à clientela do duvalierismo.
Não obstante, no fim de março, o Conselho de Segurança de Nova Iorque se reuniu para iniciar consideração de como prolongar a ocupação. A MINUSTAH deve finalizar já, prestando contas à justiça e reparando o povo do Haiti pelos crimes cometidos.
Pelo anterior, chamamos aos povos de nossa América e do mundo inteiro, a nossos movimentos e organizações populares, para nos unir em uma grande campanha.
Chamamos para mobilizar pela retirada imediata de todas as tropas que ocupam o Haiti e pelo fim da MINUSTAH. O povo haitiano não precisa de tropas e sim de nossa solidariedade.
Chamamos a mobilizar para colocar fim à impunidade dessas tropas, reclamando às Nações Unidas que reconheçam sua responsabilidade pelos crimes cometidos, que haja justiça e reparação das vítimas, seus familiares e comunidades.
Chamamos para mobilizar em apoio solidário ao povo haitiano em sua luta persistente por exercer sua soberania e autodeterminação: o primeiro povo do mundo a por fim à escravidão e declarar os direitos universais de todo homem e mulher; o primeiro povo de nossa América a ser independente do jugo colonial e oferecer seu apoio a outras lutas emancipatórias.
Chamamos a mobilizar uma verdadeira campanha de sensibilização e ação solidária entre 1 de junho e 15 de outubro – data na qual o Conselho de Segurança votará novamente a continuidade, ou não, da MINUSTAH. Em cada um de nossos países e frente aos principais espaços de integração regional, o Haiti precisa que nossa voz seja ouvida.
Primeiras convocantes em nível regional/nacional:
Jubileo Sur/Américas
School of the Americas Watch (SOAW)
Plataforma de Acción por un Desarrollo Alternativa PAPDA – Haití
Plataforma de Organizaciones de Derechos Humanos POHDH – Haití
Diálogo 2000-Jubileo Sur Argentina
Central de Trabajadores Argentina-CTA Capital
Unidad Popular, Argentina
Servicio Paz y Justicia SERPAJ – Argentina
Articulación de Movimientos Sociales hacia el ALBA – Capítulo Argentino
Movimiento por la Unidad Latinoamericana y el Cambio Social (MULCS) – Argentina
Rede Jubileu Sul Brasil
CSP Conlutas, Brasil
PACS Brasil
Comentários
Nenhum Comentário | Deixe um comentário »