A Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), um dos maiores empreendimentos privados da América Latina, vem produzindo graves impactos socioambientais desde 2006/07 na Baía de Sepetiba no Rio de Janeiro. A instalação da empresa numa região de população empobrecida, com extensas áreas naturais e constituída, em grande parte, por pescadores e agricultores constitui um dos maiores casos de injustiça ambiental do estado do Rio de Janeiro já amplamente debatido nos movimentos e organizações sociais, na mídia e nos círculos acadêmicos. Desde o início de sua instalação, a siderúrgica vem gerando imensos danos à saúde, ao ambiente e à renda dos pescadores e moradores de Santa Cruz, Itaguaí e demais áreas da Baía de Sepetiba, localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Brasil.
A planta industrial foi inaugurada em junho de 2010. No dia seguinte ao início das operações, ocorreu em Santa Cruz um episódio de poluição acentuada que ficou conhecido (e foi amplamente coberto pela mídia) como “chuva de prata”. Desde então a população que mora no entorno da planta passou a conviver com uma poluição constante e tem relatado muitos casos de doença e problemas dermatológicos e respiratórios. Prestar atenção aos episódios de “chuva de prata” é importante no contexto atual por três motivos principais. Primeiro, pelos riscos que coloca à população local que é obrigada a conviver constantemente com a poluição e com sintomas que são bem mais graves do que o “incômodo” reconhecido pela empresa. Em segundo lugar, porque evidencia que a poluição aguda provocada pela TKCSA não pode ser considerada um “acidente”, mas sim fruto da forma como foi planejado e operacionalizado até então o seu processo produtivo. Por fim, nos dá importantes elementos que nos levam a suspeitar de que o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que sustenta atualmente o funcionamento da empresa vem sendo violado e que, por isso, deve ser completamente anulado pelas autoridades competentes.
Muitas foram as “chuvas de prata” até então. A primeira foi em agosto de 2010, com a inauguração da planta. No dia seguinte ao início das operações ocorreu em Santa Cruz um episódio de poluição acentuada que ficou conhecido (e foi amplamente coberto pela mídia) como “chuva de prata”. Em 20 de dezembro de 2010 foi liberado o segundo alto forno pela Secretaria do Estado do Ambiente/Governo do RJ, desrespeitando acordo prévio entre o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) que eram contra o início de operação do segundo alto sem a realização de uma auditoria independente do processo produtivo da empresa. Nessa ocasião observou-se, mais uma vez, episódio de chuva de prata, causando muitos danos à população de Santa Cruz.
A empresa foi obrigada pela SEA a instalar filtros. Mesmo assim, os moradores de Santa Cruz continuaram a conviver com uma poluição moderada, e constante, no ar. Mas essas medidas tampouco acabaram com os episódios de “chuva de prata”. Os últimos anos demonstraram que os filtros instalados pela TKCSA não têm se mostrado capazes de extinguir os episódios de poluição aguda. Em outubro de 2012, foram registrados mais dois episódios agudos de poluição (29 e 30 de outubro), ambos amplamente divulgados pela grande imprensa. Na semana passada, mais “chuva de prata”. O último evento ocorrido se deu no dia 24 de fevereiro de 2013 e, segundo relatos de moradores, deixou as casas vizinhas à planta todas “prateadas”.
Os efeitos dessa “chuva” sobre a saúde dos moradores ainda não foram completamente esclarecidos nem pela empresa, nem pelas autoridades públicas competentes, como as instituições de saúde da localidade. Para a empresa e a SEA os efeitos do pó não passam de “incômodos” passageiros. Para se ter uma ideia da morosidade no tratamento dessa questão, ainda que a “chuva de prata” venha ocorrendo desde 2010, somente no final de 2012 a SEA divulgou um documento que tratava publicamente da composição do pó prateado. Esse relatório (Resolução SEA 195), ainda que alegue não haver ainda nexo causal provado entre as doenças e o pó, reconhece que o contato dos moradores com o material particulado pode ter sérias consequências sobre a saúde desses grupos. Nesse relatório a SEA afirma que, ao contrário de grafite atóxico como a empresa alega, o pó emitido é tóxico e contém, além de carbono e ferro, elementos químicos como Zinco (Zn), Silício (Si), Sódio (Na), Manganês (MG), Potássio (K), Cálcio (Ca), Carbono (C), Alumínio (Al) e outros elementos como Vanádio (V), Titânio (Ti), Enxofre (S), Chumbo (PB), Fósforo (P), Níquel (Nem), Magnésio (Mn), Cobre (Cu), Cromo (Cr), Cádmio (Cd). A SEA reconhece ainda que o pó pode causar asma, câncer de pulmão, problemas cardiovasculares, defeitos congênitos e morte prematura. Ele avança ainda ao afirmar que levantamentos da SEA (entrevistas e exames) já teriam constatado o aumento no número de queixas dos moradores de Santa Cruz com relação a: doenças respiratórias (asma, bronquite, doença pulmonar etc.), doenças dermatológicas (eczemas, dermatites e dermatoses), doenças oftalmológicas (conjuntivite), fadiga e estresse e relatos de pioras nos casos de hipertensão e diabetes após exposição ao material particulado. Tudo isso nos faz questionar seriamente a viabilidade da continuidade do empreendimento.
Além disso, a constância na emissão dos particulados marcada pelas “chuvas de prata” e a ineficiência das medidas cobradas pelas autoridades brasileiras à TKCSA, como a instalação de filtros, evidenciam que a poluição aguda não é causada por acidentes ou pelo uso eventual dos poços de emergência, mas fruto do processo produtivo de produção de placas de aço utilizado pela empresa. Os eventos de poluição aguda, portanto, mais do que acidentes eventuais, são inerentes ao processo industrial operacionalizado pela TKCSA. Por isso, as medidas aplicadas desde 2010 pelas autoridades brasileiras não nos tem parecido eficientes em garantir aos moradores de Santa Cruz um ambiente saudável que não coloque riscos sobre sua saúde.
Cabe acrescentar, por fim, que a TKCSA não possui até o momento licença de operação, ainda que sua licença de instalação tenha sido renovada por duas vezes em seis anos (LP número FE DO11378 e LI número FE011733). Atualmente, a empresa funciona assegurada por um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado entre a mesma, a SEA e o INEA (e sem a presença dentre os signatários do Ministério Público, que não concordou com os seus termos) em 20 de março de 2012. Ele ampliou o prazo para a obtenção da licença pela empresa em mais dois anos. Além disso, o TAC estabelece que a empresa teria que cumprir com 134 pontos para obter a licença de operação.
O TAC estabeleceu como obrigações da compromissada (TKCSA) a conclusão de “sistema de despoeiramento do poço de emergência até o dia 30 de abril de 2012 (…) garantindo a eficiência de sua operação (…)”, bem como especificou medidas a serem elencadas como “alternativa ao uso do poço de emergência”, diagnosticado como o fator gerador da “chuva de prata” (páginas 5 do TAC, grifo nosso). Ao mesmo tempo, o TAC colocou como obrigação do INEA e da SEA a concessão da licença de operação (…) “caso o INEA certifique o cumprimento da implantação e a eficácia do sistema de despoeiramento dos poços de emergência e da conclusão do fechamento da casa de corrida dos altos fornos, bem como do pleno cumprimento de todas as obrigações identificadas como vinculantes [no TAC] (…)” (página 8, idem).
A experiência recente de funcionamento da TKCSA tem mostrado que as medidas de despoeiramento contidas no TAC e que a empresa alega vir cumprindo desde 2012 não têm se mostrado eficientes para acabar com os episódios agudos de poluição em Santa Cruz. As “chuvas de prata” não foram extintas até o dia 30 de abril de 2012, como previsto no TAC, ainda que a TKCSA alegue ter finalizado a instalação do sistema de empoeiramento. Os últimos episódios de “chuva de prata” ocorridos em 2012 e 2013, logo, sugerem que o TAC vem sendo violado pela empresa, o que nos leva a esperar da SEA a completa anulação deste acordo e, sobretudo, o fechamento da TKCSA. Essa medida se faz mais urgente, tendo em vista que a TKCSA encontra-se atualmente em processo de venda, aguardando uma proposta da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que implicará na aplicação de mais R$ 4 bilhões de recursos públicos via BNDES num empreendimento altamente questionável do ponto de vista da sustentabilidade econômica e financeira e, principalmente, ambiental e social.
Os questionamentos e denúncias com relação à atuação da empresa foram e são diversos e direcionados a distintas esferas nacionais e internacionais. No plano internacional a empresa já foi denunciada no Parlamento Alemão e Europeu. No âmbito nacional, a empresa já foi objeto de investigação de uma comissão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Durante suas obras de construção, a planta sofreu embargo e multa por parte do IBAMA, auto de infração do extinto Instituto Estadual de Florestas (IEF) e denúncia do Ministério Público do Trabalho. Encontram-se também em curso atualmente duas ações penais ajuizadas pelo MPRJ contra a TKCSA e alguns de seus gestores técnicos por crimes ambientais. A empresa é alvo de diversas denúncias dos moradores junto à Defensoria Pública do Estado, totalizando atualmente 239 ações e mais de ações movidas por associações de pescadores. Mesmo assim, após quase seis anos de denúncias e de investigações, o governo do estado do Rio de Janeiro e seus órgãos ambientais postergam o fechamento da empresa, ainda que boa parte das denúncias levantadas permaneçam obscuras e não esclarecidas.
Atualmente, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, grupos populares, nacionais e internacionais, bem como moradores e pescadores da Baía de Sepetiba que acompanham as violações da empresa desde 2006/2007 lançaram a campanha “Pare TKCSA” que reivindica o impedimento da venda da empresa antes que todos os seus passivos ambientais, sociais e econômicos, principalmente com moradores e pescadores da Baía de Sepetiba, sejam contabilizados e reparados. A campanha coloca que a empresa não pode ser vendida até que os danos causados aos moradores e pescadores da Baía de Sepetiba sejam reparados; que os empregos dos trabalhadores que hoje trabalham na TKCSA e que moram na Zona Oeste sejam garantidos mesmo com o fechamento da planta; que seja realizada uma auditoria integral dos direitos humanos violados pela empresa desde 2006; que o TAC seja anulado; e que a Baía de Sepetiba e seus manguezais, em particular na área em que a empresa atua, seja recuperada.
Com base no seu histórico da TKCSA e na previsão de continuidade de violações de direitos humanos evidenciada pelos episódios da “chuva de prata”, cabe aos órgãos ambientais do Rio de Janeiro cumprir com a responsabilidade. É um absurdo que a população de Santa Cruz seja obrigada a conviver com elevados riscos sobre sua saúde, sem que os responsáveis sejam cobrados e punidos, segundo estabelece a legislação brasileira.
Karina Kato é pesquisadora do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS).
Por Belisa Ribeiro em 13 de junho de 2014 as 16:01.
Olá, sou jornalista e vou abordar o tema na minha coluna que fim levou na rádio Band News, no Jornal do Rio, comandado por Ricardo Boechat. O Instituto continua acompanhando o caso?
Por fran em 13 de agosto de 2014 as 12:46.
Olá Belisa, quando sairá a coluna? Se pudermos colaborar com qualquer informação, estamos à disposição, ok?