Fran Ribeiro/PACS

Na mesa: Julio Condaque (CSP-Conlutas); Maíra Siman (PUC-RJ); Sandra Quintela (Jubileu Sul); Marcelo Durão (Via Campesina/MST); Renata Souza (Jornalista).

As políticas contraditórias de segurança pública em prática no Haiti e na cidade do Rio de Janeiro foram tema de debate realizado na última segunda-feira (27), no auditório do Sindsprev-RJ, na Lapa. Convocado por organizações sindicais, culturais e de defesa dos direitos humanos, a atividade faz parte da jornada continental pela retirada das tropas da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), daquele país.

O debate foi conduzido por Sandra Quintela, da Rede Jubileu Sul, organização que acompanha desde 2004 as situações de violações de direitos que ocorrem no país, realizando missões de solidariedade e diversas iniciativas junto à outras organizações como forma de pressionar os governos que possuem tropas no Haiti pela retirada das mesmas. Também compunham a mesa, Júlio Condaque (CSP Conlutas/ Quilombo Raça e Classe); Maíra Siman (Historiadora/ IRI PUC-RJ); Marcelo Durão (Via Campesina/ MST); e Renata Souza (Jornalista e moradora do Complexo da Maré).

A atividade atraiu um público diverso e preocupado com as questões e semelhanças da dita “pacificação” em curso nos dois territórios. As tropas da Minustah completam no próximo 1º de junho nove anos de política de extermínio da população haitiana, denúncia apresentada à plateia através do vídeo que está disponível na internet (veja abaixo), e reforçada pelos palestrantes convidados para o debate.

País de população negra e pobre, o Haiti foi invadido por tropas da ONU logo após o golpe de Estado sofrido pelo presidente Aristide em 2004, que foi expulso do país, mesmo tendo sido eleito democraticamente. A ação foi financiada e articulada pelos Estados Unidos e França. Desde então, com a prerrogativa de estabilização da ordem social, as tropas da Minustah, formadas pelo exército de países como o Brasil e o Chile, se revezam para prosseguir com a política das forças armadas de segurança. Com tanques, fuzis, helicópteros, as tropas brasileiras provocaram sistemáticas violações aos direitos humanos da população, como a ação em Cite Soleil, em 2006, quando milhares de haitianos foram mortos em uma ofensiva armada injustificada.

Estabilização x Pacificação

De acordo com a historiadora e doutoranda do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ, Maíra Siman, que estuda a operação de paz no Haiti, as noções de pacificação aplicadas em comunidades do Rio de Janeiro através das UPP´s e de estabilização praticadas no Haiti são um reflexo de um projeto político contraditório, que está dentro do contexto histórico do período de colonização do Brasil, especialmente com as práticas que tem sua origem fixada durante o período regencial, quando Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro, usava da força militar para abafar as mobilizações que aconteciam na época. Nesse momento, a “pacificação” é usada como política conservadora do Império, como prerrogativa para manter o status quo baseado e mantido na desigualdade social.

Pacificador: “Passaeficaador”

Dentro das mudanças evidentes com o desenvolvimento da sociedade brasileira, contudo, a militarização da polícia tornou-se forte instrumento de repressão, mantendo o seu caráter excludente e de manutenção da ordem vigente. As UPP´s e o Bope, localizadas em comunidades periféricas e nos principais morros do centro-sul da capital carioca, demonstra bem onde a política do “abafamento” está sendo imposta, em detrimento à elitização da capital e de uma faxina ética, restringindo grande parte da população da vida da cidade. A técnica que é usada aqui será agora transferida para o país caribenho, em recente convênio acordado entre a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro com a Polícia Nacional do Haiti. Mesma abordagem, mesmas armas, mesmo discurso.

O que parte da sociedade não sabe e que a grande mídia não publica, é que a atual política de segurança é contraditória por não dar liberdade e nem segurança à população. A polícia militarizada invade as favelas, marginaliza seus moradores, numa prática clara de remodelamento da cidade para atender as exigências do capital. Aqui além da guerra armada, tem-se a guerra midiatizada, onde o espetáculo e a propaganda em torno da “pacificação” passam longe da concepção real de paz e liberdade.  A chegada das UPP’s aos morros, não trouxeram de fato o acesso de seus moradores às políticas publicas de educação, saúde, moradia, saneamento básico.  Mas, conseguiu abrir caminhos ao mercado e à especulação imobiliária. A “pacificação” na marra, sem diálogo, mas com excesso de violência deixa marcas até hoje nas comunidades que possuem unidades em seu território.

Solidariedade entre os povos: a prática da paz

Com 80% da população abaixo da linha da pobreza e com 75% das casas sem acesso à água encanada, o Haiti passa por um desmantelamento total dos serviços públicos. Dentre as alternativas de apoio aos haitianos, a Via Campesina organiza desde 2006 a Brigada Internacional de Solidariedade ao país. Em 2009, a primeira missão levou cerca de cinquenta pessoas, entre agricultores, campesinos, médicos, educadores, agrônomos, pesquisadores brasileiros, da Argentina e de Cuba. A brigada de solidariedade atua no país como a perspectiva de troca de experiências, levando até o país as práticas de desenvolvimento sustentável, reforçando principalmente a população campesina. Além do apoio na reorganização da produção agrícola local com a distribuição de sementes, a brigada atua junto à formação política da população, a alfabetização de jovens e adultos, formação técnica em agroecologia e na produção de medicamentos naturais.

As jornadas de mobilização pelo fim da ocupação das tropas da Minustah no Haiti seguem até o dia 1º de junho, quando manifestações pelo continente estão marcadas para acontecer.

Para assistir o documentário “O que se passa no Haiti?”, clique aqui.