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Mulheres mandam uma “banana” pra especulação imobiliária. Foto: Iara Moura (Comunicação Pacs)

No quintal de terra batida o espaço é pequeno pra acomodar tanta gente. É mais do que a moradora está acostumada a receber em sua casa em dias comuns. Dali da porta da cozinha, a mulher (que preferiu não ser identificada) explica com detalhes o processo de funcionamento do sistema de saneamento implantado em regime experimental em sua casa. A chamada fossa verde diferencia-se dos tratamentos de esgotos habituais por dar um destino ambientalmente correto aos resíduos domésticos e reutilizá-los no plantio de alimentos. Segundo a equipe técnica da Fundação Oswaldo Cruz que acompanha o projeto, a tecnologia objetiva “a apropriação popular de tecnologias sociais para ações territorializadas em gestão, monitoramento e controle dos recursos hídricos, com foco em saúde ambiental”. Os primeiros pés de tomate já mudam a paisagem do quintal. Por entre as bananeiras, porém, é possível ver os escombros do que outrora eram os fundos da casa do vizinho.

O quintal foi um dos espaços visitados na última quinta-feira (05) por integrantes da Rede Carioca de Agricultura Urbana (RCAU) na Vila Autódromo. O objetivo de realizar a reunião de planejamento da Rede lá era prestar  solidariedade à luta de resistência de Vila Autódromo, dando visibilidade às experiências de agricultura urbana desenvolvida por moradoras e moradores da comunidade, ameaçada pela especulação imobiliária.

bananeira

Foto: Iara Moura (Comunicação Pacs)

Localizada numa área onde situa-se um dos metros quadrados mais caros do Rio de Janeiro, na divisa entre Barra da Tijuca e Jacarepaguá, a Vila Autódromo se organizou como comunidade formal em 1987 com a criação da Associação de Moradores e Pescadores de Vila Autódromo. Segundo Renato Consentino, mestre pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e integrante do Comitê Popular Copa e Olimpíadas a localidade tem uma longa história de luta pela sobrevivência.

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Foto do mural da Associação / por Iara Moura (Comunicação Pacs)

Moradoras e moradores mais antigos relembram quando ainda nos anos 1990 com crescimento da cidade para a Barra, começaram a aumentar vertiginosamente as ameaças de remoção. As ofertas de indenização da prefeitura, a presença constante de tratores em suas portas e as coerções e até assassinatos de lideranças que se negavam a aceitar os acordos com a prefeitura fazem parte da memória recente dos que ali ainda vivem. Tal realidade permanece viva no cotidiano dos/as moradores/as. “É capaz de vocês verem, quando tiverem andando por aí, os funcionários da prefeitura com pranchetinhas. Eles tão todo dia aí de porta em porta”, alertou a moradora.

A ameaça ganha ainda mais concretude nos andaimes e arranha céus que sufocam a vila de casas de chão de terra batida. Quando se vem do asfalto, é até difícil identificar a entrada da rua principal. Dobrando à esquerda da Avenida Abelardo Bueno tem-se a impressão de estar adentrando um enorme canteiro de obras donde crescem prédios de fachadas espelhadas. O barulho das máquinas e a sirene que avisa aos trabalhadores a troca de turnos virou rotina para os/as moradores/as desde que se iniciaram as obras dos empreendimentos que preparam a cidade para as olimpíadas de 2016. A pequena sede da AMPVA fica bem em frente das obras de construção de um luxuoso hotel que abrigará autoridades e a imprensa durante os jogos olímpicos. Das casas que margeiam a lagoa, é possível avistar mais outras grandiosas obras que compõe o conjunto do Parque Olímpico da Barra.

Enquanto o poder público e a iniciativa privada fazem crescer os canteiros de obras por onde escorrem enormes somas do dinheiro público, a comunidade segue organizando-se e resistindo. Em 2013, numa parceria da associação com o NEPLAC/ETTERN/IPPUR/UFRJ (Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do NEPHU/UFF (Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense), foi elaborado o Plano Popular da Vila Autódromo que contempla um projeto de urbanização com vistas ao desenvolvimento econômico, social e cultural da região. O projeto ganhou um prêmio internacional de urbanismo, o Deutsche Bank Urban Age Award Rio 2013. Por parte da prefeitura, porém, não há sinais de interesse em tirar o plano do papel.

Uma banana pra especulação imobiliária – Mulheres realizam ato marcando o Dia Internacional das Mulheres

Durante a tarde, as mulheres da Rede Carioca de Agricultura Urbana realizaram um ato político simbólico e deram uma banana à especulação imobiliária sinalizando seu descontentamento com a forma de organização fundiária das cidades que se volta prioritariamente para o lucro da iniciativa privada ignorando a história, a organização da população, as vivências e as experiências de cultivo de hortas comunitárias, a produção de feiras orgânicas, dentre outras iniciativas de agricultura urbana.

Segundo Emilia Jomalinis, mestranda em Geografia pela Ufrj, integrante  do Pacs e militante da RCAUs, os empreendimentos olímpicos assim como os pólos siderúrgicos da cidade, como  é  caso da TKCSA (ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico) geram fortes impactos nesses territórios, causando uma espécie de “destruição criativa” que abafa outras formas de vida ali existentes e cria formas baseadas na apropriação privada de bens públicos, coletivos, comuns. Para a militante, o arco metropolitano é encarado pelo Estado e pela iniciativa privada como o “arco do desenvolvimento”, desenvolvimento este que vem se dando nos moldes citados.

“É na Zona Oeste do Rio que resiste grande parte das experiências de agricultura, é lá também que muitos mega projetos impulsionados pela especulação imobiliária se realizam. A questão da concentração fundiária e da luta pela terra e pelo direito à moradia são pautas presentes tanto na luta do campo como na luta da cidade. Na baixada de Jacarepaguá estão presentes diversos conflitos sócio ambientais desta ordem e ali tem muitas experiências de luta popular que fazem parte deste tecido social da RCAU. As mulheres protagonizam muitas dessas lutas”, explicou.

O Pacs integra a Rede Carioca de Agricultura Urbana e o Comitê da Popular Copa e Olimpíadas.